Arquivo mensal: dezembro 2011

De pernas pro ar – a escola do mundo ao avesso

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EDUCANDO COM O EXEMPLO

A escola do mundo ao avesso é a mais democrática das instituições educativas. Não requer exame de admissão, não cobra matrícula e dita seus cursos, gratuitamente, a todos e em todas as partes, assim na terra como no céu: não é por nada que é filha do sistema, que, pela primeira vez na história da humanidade, conquistou o poder universal.

Na escola do mundo ao avesso o chumbo aprende a flutuar e a cortiça a afundar. As cobras aprendem a voar e as nuvens a se arrastar pelos caminhos.

Os modelos do êxito 

                 O mundo ao avesso gratifica o avesso: despreza a honestidade, castiga o trabalho, recompensa a falta de escrúpulos e alimenta o canibalismo. Seus mestres caluniam a natureza: a injustiça, dizem, é lei natural. Milton Friedman, um dos membros mais conceituados do corpo docente, fala da “taxa natural de desemprego”. Por lei natural, garantem Richard Herrnstein e Charles Murray, os negros estão nos mais baixos degraus da escala social. Para explicar o êxito de seus negócios, John Rockefeller costumava dizer que a natureza recompensava os mais aptos e castiga os inúteis. Mais de um século depois, muitos donos do mundo continuam acreditando que Charles Darwin escreveu seus livros para lhes prenunciar a glória.

Sobrevivência dos mais aptos? A aptidão mais útil para abrir caminho e sobreviver, o killing instinct, o instinto assassino, é uma virtude humana quando serve para que as grandes empresas façam a digestão das pequenas empresas e para que os países fortes devorem os países fracos, mas é prova de bestialidade quando um pobre-diabo sem trabalho sai a busca de comida com uma faca na mão. Os enfermos da patologia antissocial, loucura e perigo de que cada pobre é portador, inspiram-se nos modelos de boa saúde do êxito social.  O ladrão de pátio aprende o que sabe elevando o olhar rasteiro aos cumes: estuda o exemplo dos vitoriosos e, mal ou bem, faz o que pode para lhes copiar os méritos. Mas “os fodidos sempre serão fodidos”, como costumava dizer Dom Emílio Azcárraga, que foi amo e senhor da televisão mexicana. As possibilidades de que um banqueiro que depena um banco desfrute em paz o produto de seus golpes são diretamente proporcionais às possibilidades de que um ladrão que rouba um banco vá para a prisão ou para o cemitério.

Quando um delinqüente mata por dívida não paga, a execução se chama ajustes de contas, e se chama plano de ajuste a execução de um país endividado, quando a tecnocracia internacional resolve liquidá-lo. A corja financeira seqüestra os países e os arrasa se não pagam o resgate. Comparado com ela, qualquer bandidão é mais inofensivo do que Drácula à luz do sol. A economia mundial é a mais eficiente expressão do crime organizado. Os organismos internacionais que controlam a moeda, o comércio e o crédito praticam o terrorismo contra os países pobres e contra os pobres de todos os países, com uma frieza profissional e uma impunidade que humilham o melhor dos lança-bombas.

A arte de enganar o próximo, que os vigaristas praticam caçando incautos pelas ruas, chega ao sublime quando alguns políticos de sucesso exercitam seus talentos. Nos subúrbios do mundo, chefes de estado vendem saldos e retalhos de seus países, a preço de liquidação de fim de temporada, como nos subúrbios das cidades os delinqüentes vendem, a preço vil, o butim de seus assaltos.

Os pistoleiros de aluguel realizam, num plano menor, a mesma tarefa que cumprem, em grande escala, os generais condecorados por crimes elevados à categoria de glórias militares. Os assaltantes que, à espreita nas esquinas, atacam a manotaços, são a versão artesanal dos golpes dados pelos grandes especuladores, que lesam multidões pelo computador. Os violadores que mais ferozmente violam a natureza e os direitos humanos jamais são presos. Eles têm as chaves das prisões. No mundo como ele é, mundo ao avesso os países responsáveis pela paz universal são os que mais armas fabricam e os que mais armas vendem aos demais países. Os bancos mais conceituados são os que mais narcodólares lavam e mais dinheiro roubado guardam. As indústrias mais exitosas são as que mais envenenam o planeta, e a salvação do meio ambiente é o mais brilhante negócio das empresas que o aniquilam. São dignos de impunidade e felicitações aqueles que matam mais pessoas em menos tempo, aqueles que ganham mais dinheiro com menos trabalho e aqueles que exterminam mais natureza com menos custo.

Caminhar é um perigo e respirar é uma façanha nas grandes cidades do mundo ao avesso. Quem não é prisioneiro da necessidade é prisioneiro do medo: uns não dormem por causa da ânsia de ter o que não têm, outros não dormem por causa do pânico de perder o que têm. O mundo ao avesso nos adestra para ver o próximo como uma ameaça e não como uma promessa, nos reduz à solidão e nos consola com drogas químicas e amigos cibernéticos. Estamos condenados a morrer de fome, a morrer de medo ou a morrer de tédio, isso se uma bala perdida não vier abreviar nossa existência.

Será esta liberdade, a liberdade de escolher entre ameaçadores infortúnios, nossa única liberdade possível? O mundo ao avesso nos ensina a padecer a realidade ao invés de transformá-la, a esquecer o passado ao invés de escutá-lo e a aceitar o futuro ao invés de imaginá-lo: assim pratica o crime, assim o recomenda. Em sua escola, escola do crime, são obrigatórias as aulas de impotência, amnésia e resignação. Mas está visto que não há desgraça sem graça, nem cara que não tenha coroa, nem desalento que não busque seu alento. Nem tampouco há escola que não encontre sua contraescola.

(Eduardo Galeano – De pernas pro ar – a escola do mundo ao avesso)

“Kadmirra” – Aeromoças e Tenistas Russas (2011)

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 1. Kadmirra

2. Insomne

3. Saguis

4. Kirilenko

5. Jacques Villeneuve Experience

6. Smonkey Skulls

7. Sex Sugestion

8. Solarística

9. Cremosita

Aeromoças e Tenistas Russas é uma banda de São Carlos/SP, formada em 2007 por ex-alunos da UFSCar. “Kadmirra” é o primeiro disco dos caras, lançado recentemente.

Tanto composições, quanto o modo como o álbum foi produzido, remetem à como os “Aeromoços” concebem seus trampos e forma de viver. Foi todo gravado e produzido pelos próprios integrantes no estúdio do Aparelho Coletivo, também morada do manos. A arte remete ao conceito babilônico do disco e  também foi feita de forma colaborativa, através de um edital aberto na rede mundial, onde outro são carlense foi contemplado: Marky Wildstone baterista da já consolidada e também instrumental The Dead Rocks.

Thiago “Hard” (sax e guitarra), Juliano Parreira (baixo), Gustavo “Hoolis” (teclados) e Nilo Mortara (bateria) somado aos samples do marciano onipresente “Jovem” Palerosi, conseguiram um sincretismo bem costurado em “Kadmirra”. Editado quase como uma mixtape, as diversas influências de cada integrante se mostram nas 9 faixas escolhidas pro disco. Samba-pop com rock progressivo psciodélico e pitadas “oitentistas” percorrem com maestria esse primeiro trampo dos caras.

Foda ficar falando dos amigos, né!?…
Ouçam aí, baixem “de grátis” no próprio site dos caras e vejam o que essa “Kadmirra” tem a oferecer.

“Três Cabeças Loucuras” – São Paulo Underground (2011)

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1. Jagoda’s Dream

2. Pomboral

3.Carambola

4. Colibri

5. Just Lovin’

6. Lado Leste

7. Six Six Eigth

8. Rio Negro

9. The Bat’s Digital Dlipomat

Parodiando o Homis Canidae esse petardo não tem como segurar. O rojão é grande!
Disco foda do trio/quarteto São Paulo Underground, lançado rencentemente e formado pelos onipresentes M. Takara e Guilherme Granado,  o norte americano de São Paulo, Rob Mazurek (que possivelmente são as “3 cabeças Loucuras”) e por Richard Ribeiro, que soma e muito nas engrenagens experimentais.

O  terceiro disco do grupo,  que por vezes soa como improviso, é mistura muito bem feita de free jazz, música brasileira e experimentações eletrônicas cabeçudas. Parece que nesse trabalho os “cabeças loucuras” encontraram o som que buscavam nos dois discos anteriores: “Sauna: Um, Dois, Três” de 2005 e ” The Principle of Intrusive Relationships” de 2008. “Três Cabeças Loucuras” soa diferente dos dois anteriores, mas é preceptível que as ideias já figuravam há alguns anos na mente dos integrantes. Os caras conseguiram tiram um som limpo, experimental pra caramba, mas com um caminho muito claro.

Ouçam!

“Haveno” – Constantina (2011)

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1. Imobilidade Tônica

2. Azul Marinho

3. Juan, el Marinero

4. Benjamim Guimarães

5. Bagagem Extra

6. Pequenas Embracações

7. Monte Roraima

8. Bonus Track

Os mineiros do Constantina tem 8 anos de história e com “Haveno”, 4 discos lançados.  O post rock feito pelos caras é de um bom gosto ímpar. Possuem uma característica própria de executar e compor suas idéias. A dinâmica executada consegue trazer ao clima que propõe, com suavidade e primot.

Percebe-se um grande leque de instrumentos e arranjos escolhidos a dedo. O minimalismo, timbres e arranjos em conjunto com a dinâmica sonora, cria intencionalmente imagens à música executada. Há muita brasilidade em “Haveno”, com influências diversas, colocadas pelos próprios integrantes como …”do pão de queijo aos cablocos de lança”…Também percebemos influências como Tortoise e Hurtmold, sentadas no barco que navega pelo álbum.

Os caras disponibilizaram no próprio site da banda, o disco pra audição e download, iniciativa cada vez mais comum por esses idos. Mas sempre lembrando, que se curtiu o trampo do artista e tem condições, é massa adquirir pra fortalecer.