Arquivo mensal: abril 2015

Cabeça de Terra (2015) – Dharma Samu

Padrão

2015 - CABEÇA DE TERRA

1. De Dentro pra Fora, de Fora pra Dentro (Intro)
2. Sumo em Delay
3. Dharma Spirits
4. Cabeça de Terra
5. Mustache Bar
6. Valsa para Keyla
7. Septimus em Latino América
8. De Dentro pra Fora, de Fora pra Dentro
9. Monday Feelings

O Dharma Samu nasceu de uma espécie de válvula de escape dos músicos do Mama Gumbo, banda paulistana com mais de dez anos de estrada, porém, virou muito mais: pseudônimo do inquieto Alex Cruz, músico de amplas facetas e um dos precursores dessa música instrumental  meio maluca, meio contemporânea que começou a ser feita no Brasil no final do século passado, através do Flaming Salt, banda super experimental que tem dois discos lançados em meados desse período; e virou também uma banda de música autoral. É desse momento que chega o disco Cabeça de Terra, terceiro da banda e primeiro autoral, já que os anteriores são um de releituras do Led Zeppelin, e outro trilha de um espetáculo de dança.

O disco vem recheado de nove música compostas pelo próprio Dharma Samu (ou Alex Cruz). O músico também gravou quase todos os instrumentos – exceto bateria gravada por Clayton Martin (produtor, baterista do Cidadão Instigado e amigo de longa data do Dharma, e também parceiro das pirações do Flaming Salt) – e também fez a edição do álbum. Essa autonomia de trabalho fez o Dharma lançar um baita disco; os temas são bons, as músicas bem estruturadas e maduras – reflexo de um trabalho consistente do músico em quase vinte anos de carreira -, e o jazz, elemento básico das composições, se funde e é transformado pelas outras referências que carrega sua música: uma psicodelia branda que toma a alma do disco e a pegada rock das faixas, envenenando e abrindo a cabeça do ritmo negro criado no início do século passado.
Pra ouvir o Cabeça de Terra, clique aqui!

Trocamos uma ideia com o próprio Dharma Samu sobre a banda, o disco, a música, o mercado e a vida. Com ele, o papo é sempre bom e reto!

Boca Fechada:. O primeiro disco são de releituras do Led Zepellin, o segundo uma trilha de um espetáculo de dança que não ocorreu, mas que foi lançada em formato de álbum, e esse, mais recente de música autorais. Conte como funcionou esse processo todo na sua cabeça.
Dharma Samu: No primeiro disco o Dharma era um projeto paralelo, uma forma de fazer algo diferente do que nós estávamos fazendo com o Mama Gumbo na época, de explorar novas possibilidades e de tocar com uma outra galera. Pra não misturar as coisas decidimos que o Dharma seria uma banda de versões, a ideia era lançar cada disco fazendo versões de alguma banda específica entre os recessos do Mama Gumbo; nessa época eu só ficava com as teclas, não tocava sax ainda. Na época do segundo disco pintou a chance de fazer a trilha para o espetáculo de dança de um grupo de bailarinas da universidade Anhembi Morumbi. O projeto era pra ser com o Mama Gumbo, mas a galera tava cansada e com a cabeça no disco Ytcha, então eu assumi e incorporei o Dharma Samu e ele se tornou uma espécie de projeto “solo” meu, nessa época comecei inclusive a assinar os trabalhos como Dharma Samu, se tornou meu pseudônimo. Nesse disco acabei fazendo tudo sozinho, com exceção das baterias gravadas pelo Clayton Martin . Nele fiz minhas primeiras gravações como saxofonista e tive a chance de explorar sonoridades e conceitos diferentes. Essa liberdade foi importante pra eu sacar o meu potencial como compositor e como músico, abriu as portas pra diversas influências e mudou definitivamente meu jeito de ouvir, de tocar e de compor, é como se eu tivesse descoberto um novo caminho musical. Depois de toda essa descoberta achei que seria bacana tocar ao vivo com esse formato e deixar as teclas e me aventurar como saxofonista. Montamos uma formação inusitada com batera, baixo, sax e percussão, deixando de lado de propósito qualquer instrumento harmonizador como piano ou guitarra, enfim, a ideia era deixar essa lacuna como a ser preenchida e que mexesse com quem ouve e deixava as composições muito características e enigmáticas. Nesse ponto exploramos e lapidamos aquele novo conceito de composição e formação. O Cabeça de Terra, meu terceiro disco, já veio com uma idéia pronta, com o conceito montado, o único lance é que eu estava sem gente pra tocar comigo, então acabei gravando todos os instrumentos e novamente tive a ajuda do Clayton Martin nas bateras. Nele eu assumi o lance do saxofone mesmo (é tipo um disco de saxofonista rs) e desdobrei esse novo jeito de tocar que se tornou o Dharma Samu, explorando de verdade agora as composições pensadas pra sax.

BF: Você gravou praticamente todos os instrumentos (menos bateria). Isso foi opção ou falta dela? Pensou nisso antes de gravar e como funcionaria ao vivo?
DS: É bom ter essa liberdade de poder realizar tudo dentro de um trabalho, de um disco, cuidar de todos os arranjos, de gravar tudo. Os sons acabam sendo uma extensão sua, é bacana, dá pra abusar da criatividade e você não precisa brigar com ninguém (rs). O Cabeça de Terra não era pra ser um disco assim, na verdade nós já tínhamos desenvolvido um repertório que entraria no terceiro disco, mas o pessoal acabou debandando e eu arquivei esse repertório (que é ótimo pra ser tocado junto com outros músicos) e pra não ficar parado, compus novas canções, coisas mais íntimas – pode se dizer assim -, coisas que funcionam nesse tipo de gravação quase solitária, por que o Clayton Martin é um baterista muito criativo e criou coisas maravilhosas que somaram muito. Então, esse tipo de produção foi uma opção na falta de opção.

sou alex

BF: Além do Dharma Samu, como você citou, você toca e compõe pra outra banda instrumental: Mama Gumbo. Como é o processo de composição pras duas? Como você divide esse processo criativo?
DS: Parece que a coisa se divide por si só… quando crio algo sozinho ou com o grupo ela já vem bem definida pra que grupo ela vai se encaixar melhor. E tem essa coisa do instrumento, como no Mama eu toco teclados algumas coisas encaixam melhor com esse tipo de instrumento e outras funcionam melhor com o sax. E tem o lance do tempo também… tem época que a gente tá mais focado num projeto específico e acaba trabalhando mais com uma linguagem determinada, depois tira umas férias de um e começa o outro, mas as composições parecem que se separam por si só mesmo e, pelo menos na minha cabeça, elas tem uma identidade bem diferente, aí fica fácil de separar.

BF: Me fala um pouco das suas influências e o que delas você coloca no Dharma Samu. O que você acha dos rótulos que são dados pra música? Acha que a música do Dharma Samu se classifica em alguns desses rótulos sem importância?
DS: Cara, gosto de muita coisa e acho que tudo acaba influenciando um pouco.No Dharma o que fica mais evidente é a base, o clima do jazz, mas não é uma banda de jazz por que o resto vem de outros lugares como o rock, a psicodelia, o groove, enfim, gosto muito de música modal e sempre coloco isso nas composições, tem muito experimentalismo também, é difícil visualizar tudo, mas pra resumir eu vejo como uma banda que usa o clima, uma base de jazz pra colocar um monte de experimentações em arranjos modais psicodélicos.

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BF: Você acha que existe uma cena instrumental no Brasil?
DS: Uma cena eu não sei, mas existem muitas bandas bacanas fazendo música instrumental, mas elas não coexistem dentro de uma ideia única e não há um ramo, uma linha que guie essas bandas, elas fazem diferentes tipos de som e tem idéias muito diversas sobre o que é e como lidar com a música. Mesmo a galera independente é bem distante entre si. Na verdade ta rolando uma espécie de neo liberalismo na área da música (rs), a galera ta se digladiando por espaço de um jeito que eu nunca vi antes, tipo vale tudo, o lance é você se vender, aparecer, passar a perna, ter mil likes, diversas páginas, fazer cursos pra melhorar a imagem da banda, pagar assessoria de imprensa, esmurrar alguém pra ter acesso àquele ou a este espaço que no final vai te tratar como lixo, entrar naquele festival que se preocupa mais com a foto do que com o som da banda, enfim, total livre concorrência. Você pode conquistar seu sucesso!, lute!, engane!, maqueie! compre!…meritocracia total…quem lutar ou se vender, ou souber se vender melhor deve estar no topo!! E o som mesmo ninguém se importa… não há espaço pra criatividade, para identidade, não adianta você fazer um som foda e divulgar de boa, do seu jeito, respeitando o que você é, não, vc tem que entrar no MERCADO!! Fazer tudo o que se pede, você tem que lutar, se vender, ser melhor!! Ter a melhor foto, o melhor site, a melhor assessoria, a melhor caixinha de cd, enfim, como se a música fosse isso ou precisasse ser assim, no final quem aparece não é a música, é quem tem grana pra investir, se maquiar, pagar o melhor estúdio, quem tem a melhor roupa, o corte de cabelo da moda, quem mora perto do centro, quem compra lugares pra tocar, quem compra influência, quem entra na panela, quem é branco, heterossexual, bem nascido, bixo, o negócio é muito estranho pra mim rsrs. Nasci na periferia, moro na periferia, sempre fui um fudido e tudo é bem diferente pra mim, música não é essa imagem comprada, não é essa meritocracia, música não se disputa, é arte e como tal tem que ter identidade, possibilidade, diferenças, música não é de um lugar especifico, de uma cor ou de um gênero, não tem que ser enquadrada, ou vendida como souvenir que vc gosta pelo formato, é uma coisa maior que precisa de um outro olhar, de uma outra aproximação, diferente dessa que temos hoje, onde há pouquíssimos curadores ou produtores descentes que se importam com o som e não com a embalagem politicamente correta. Por isso é fácil entender por que temos roqueiros como o Lobão, como o Roger e como muitos da própria galera independente que ficam com esse discurso reaça e tal… parece meio neurastênico mas faz muito sentido pra mim e é tudo interligado – se nem na música você consegue se libertar dessas amarras do consumo, desse egoísmo do capital, do mercado, desses descaminhos da mídia, como vc pode se libertar e olhar o outro em outras áreas? O negócio é estranho rsrsrsrs. Pra terminar fico aqui com uma idéia do mestre Rauzito – Não vim aqui querendo provar nada. Não tenho nada pra dizer também. Só vim curtir meu rockzinho antigo. Que não tem perigo de assustar ninguém.

Abraços!